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Património, política e pessoas

A aprovação pelo Comité da Unesco, reunido em Pnom Penh, no passado dia 22 de junho, da candidatura de Coimbra (Universidade, Alta e Sofia) a Património da Humanidade impõe-nos algumas reflexões que, por sua vez, terão que informar as orientações políticas e as atuações concretas. Organizei-as condensadamente em três tópicos:

1 – A celebração e os compromissos

O Bloco de Esquerda congratula-se com este reconhecimento e junta-se a todas as entidades e a todos os cidadãos que entendem celebrá-lo e que, por isso, se devem sentir mais empenhados na sua valorização. Este acontecimento é, sem dúvida, um importante ponto de chegada, depois dum longo e trabalhoso processo, não isento de alguma controvérsia, porventura por não ter contemplado um leque ainda mais vasto de olhares sobre a cidade. Passado este momento decisivo e marcante na história da cidade, abre-se agora um enorme mar de oportunidades, um crucial ponto de partida que a todos nos carrega de responsabilidades. Todos reconheceremos que esta declaração de Pnom Penh constitui um excelente fator impulsionador dum programa político de intervenção na cidade, de sentido contrário ao que tem vindo a ser seguido e que tem permitido a degradação continuada do tecido urbano no nosso núcleo histórico. Este programa pretende-se participado, convergente e concertado, para que possam ser feitas as devidas intervenções qualificadas, num projeto de longa duração, que não se caracterize por avanços e recuos, ao sabor das conjunturas políticas, económicas e até eleitorais. Há muito necessário, ele não só incidirá em todo o edificado inscrito na área definida no projeto da candidatura, como também na malha urbana adjacente, que integra o centro histórico da cidade e também nos núcleos patrimoniais mais delimitados das freguesias que estão fora dele.

2 – Um património vivo

Em segundo lugar, todos sabemos que o património físico, natural e construído, mesmo que protegido e reabilitado, não vale por si só. Ele não é inerte e não deve ser considerado somente como objeto de contemplação. A sua fruição enquanto monumento e a sua projeção para lá dos limites locais são obra duma outra linha de ação: uma política cultural coerente e consistente, que o descubra, nas suas várias dimensões, e que o reapresente aos cidadãos que aqui residem ou que o têm como referência, bem como àqueles que, provenientes dos vários cantos do mundo, o visitam todos os dias. É, pois, recomendável que, como o reconheceu a Unesco, o património imaterial (cultural e científico) ligado a este património físico seja, de facto, valorizado e dado a conhecer. Uma forma de o fazer de modo eficaz e consequente é articulá-lo com a criação cultural e artística, integrando, nesta grande tarefa, os cidadãos e a suas organizações, os coletivos informais e as entidades promotoras e produtoras de arte, nas suas diversas expressões, enfim, todos aqueles e aquelas que intervêm na área da cultura. Só deste modo a herança do passado se pode tornar viva e influir positivamente no nosso futuro: mobilizando os cidadãos e todas as forças políticas e sociais para participarem nos projetos que vierem a ser construídos, com base nos compromissos agora assumidos pelas entidades proponentes – Universidade e Câmara Municipal.

3 – Uma atenção redobrada no futuro

Por último, importa salientar que estas proclamações de intenção, que, neste momento, parecem ser consensuais, não passarão disso mesmo se, no plano nacional, o investimento público, estadual e autárquico – e também privado, mas com regras – na reabilitação das cidades e na promoção de melhor habitação para os seus cidadãos não constituir uma prioridade política. As Sociedades de Reabilitação Urbana (SRU), criadas para facilitar os suportes financeiros desta ação têm sido abandonadas pelo poder central. Este atirou-as para os braços das Câmaras Municipais, entretanto exauridas, por esse mesmo Estado central, de muitos dos seus rendimentos previstos em enquadramento legal anterior. Presumem os arautos desta política que, deste modo, fora da intervenção do Estado, os interesses imobiliários afluirão e serão o grande suporte financeiro desta grande tarefa de reconstrução e de requalificação, com o atrativo de transformarem estes espaços em fontes de consideráveis meios financeiros. Este paradigma tem que ser corajosamente combatido. Alguns casos recentes da política local articulada com interesses ilegítimos devem permanecer na nossa memória como exemplos a evitar.

Em conclusão, a cidade só sairá beneficiada, enquanto lugar de democracia, se se configurarem ordenamentos jurídico-políticos que impeçam a apropriação privada dos espaços públicos e que evitem que os centros urbanos se transformem em aglomerados de ‘coutadas’ privadas que excluam os cidadãos que rejeitam ‘embarcar’ em projetos de mercantilização dos seus passos, da sua cultura e das suas vidas.

E não nos venham dizer que não há alternativa…

 

Coimbra, 24 de julho de 2013   

O deputado municipal do Bloco de Esquerda

José João Lucas