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Sobre o inicío do novo ano letivo

Amanhã, inicia-se um novo ano letivo para milhares de alunos, famílias, docentes e funcionários e não se augura nada de bom para a melhoria global da educação, para a estabilidade profissional docente, para uma escola que se quer democrática, inclusiva e de sucesso para todos. Faz, por isso, todo o sentido abordar, aqui e hoje, alguns dos principais problemas com que se debate a educação e o sistema educativo, analisando-os na sua dupla dimensão: nacional e municipal sublinhando algumas das linhas de força que deveriam, no entendimento do BE, orientar uma política autárquica global, articulada e consistente ao serviço das nossas crianças, jovens, famílias e munícipes.

Sob a batuta da Troika e a coberto das imposições do memorando adensam-se as nuvens plúmbeas e anunciam-se tempestades que ameaçam fazer regredir os resultados escolares e progressos educativos dos últimos anos.

A ditadura da Troika e da política da austeridade, custe o que custar, imposta pelo governo de Passos e Portas tem-se abatido, com particular rigor, sobre a educação. Nos últimos 2 anos o orçamento da educação e ciência desceu de 5,7% para 3,8% do PIB, colocando Portugal nos últimos lugares do ranking europeu e ao nível de países como a Indonésia. 

Os sucessivos cortes orçamentais estão a colocar a escola pública sob uma pressão sem precedentes:

- Impondo mega agrupamentos de escola, desconexos e territorialmente desarticulados, impossíveis de gerir numa lógica de proximidade com a comunidade educativa, cujo único objetivo é poupar recursos humanos, fazendo dos professores autênticos caixeiros-viajantes com aulas de escola em escola, deslocando-se a expensas próprias, aumentando a instabilidade e a degradação do ensino. O município deveria ter uma posição mais firme nesta matéria, evitando os desmandos de tal política.

- Impondo o aumento desmesurado do número de alunos por turma, que em alguns casos ultrapassam os 30, transformando as salas em reservatórios de crianças e jovens; ao mesmo tempo que se colocam no desemprego largos milhares de professores, uma boa parte dos quais conta com 15, 20 e mais anos de serviço docente.

 

- Desrespeitando o que a própria lei determina para turmas com alunos com necessidades educativas especiais (NEE), que limita o seu número por turma a 2 e a turma no máximo a 20 alunos. Neste momento há turmas que integram 4 e mais alunos com NEE em turmas que chegam a ultrapassar os 26 alunos. Simultaneamente reduziram-se, drasticamente, o número de docente das equipas de apoio educativo especializado, bem como as equipas de pessoal auxiliar das escolas;

 

As consequências destas políticas de desinvestimento e restrições à educação, não podem deixar de se refletir na profunda deterioração das condições de trabalho e de estudo nas escolas públicas, agravando as desigualdades sociais e pondo em causa a igualdade de oportunidades e a qualidade das respostas educativas.

 

Enquanto assistimos a uma política de sucessivos cortes nas escolas públicas, assistimos a uma promoção, por vezes escandalosa, das escolas privadas, aumentando de forma despudorada e injustificada as suas benesses e privilégios. A coberto de uma pretensa liberdade de escolha das famílias, o ministro Nuno Crato aumenta a despesa com as escolas privadas, elevando o valor pago por turma de € 80 080, fixados em 2010, para € 85 288, isto quando o governo havia anunciado para o ano letivo de 2013-2014 um corte nos contratos de associação com as escolas privadas de 5% em relação ao ano anterior.

A austeridade, obviamente, não é para todos. Há que fazer vingar a agenda político-ideológica da cartilha neoliberal: fazendo tábua rasa das políticas sociais, favorecendo os interesses privados e destruindo a escola pública, que é para isso que o PSD e o CDS estão no goveno.

Em Coimbra esta política do governo assume foros de escândalo nacional intolerável. Num concelho onde existe uma oferta mais do que suficiente de escolas públicas, da melhor qualidade, quer em recursos físicos, quer humanos, multiplica-se a concorrência desleal e por vezes, mesmo ilegal, dos colégios privados com contratos de associação, que em Coimbra representam cerca de 10% do total nacional.

 

Financiando o ensino privado com dinheiros públicos o governo duplica desnecessariamente a oferta e, em contraciclo, aumenta a despesa.

Quando nos dizem que não há dinheiro, os 9 colégios privados instalados em Coimbra absorvem mais de 12 milhões de euros do orçamento. O colégio de S. Martinho e o Instituto de Lordemão, com 21 turmas com contrato de associação absorvem cerca de 2 milhões de euros cada um, concorrendo deslealmente com escolas públicas, em áreas onde não cumprem os requisitos da lei, uma vez que não se localizam em áreas carenciadas de escolas públicas e, por isso mesmo, não deveriam beneficiar de contratos de associação. Os colégios Rainha Santa Isabel e S. Teotónio beneficiam, sem qualquer justificação à face do que a lei dispõe, de 12 turmas com contrato de associação recebendo cada um cerca de 1 milhão e euros.

Na passada Assembleia municipal de 29 de junho apresentámos aqui uma moção em defesa da escola pública, contra a privatização e a degradação mercantil do ensino, cujos princípios fazemos questão de reiterar.

 

Um município que não alije as suas responsabilidades políticas e sociais perante os seus munícipes, não pode deixar de ter uma estratégia política pró-ativa de defesa intransigente da escola pública, como garante da universalidade, da gratuitidade, da inclusão democrática, da igualdade de oportunidades de acesso e sucesso educativo para todos.

Assim, como cidadão e professor, a ordem é arbitrária, não posso deixar de assinalar aqui aquilo que deveriam ser os eixos fundamentais de uma política autárquica ao serviço das crianças e jovens, das famílias, dos munícipes e da cidade:

 

·         Assegurar uma rede de cuidados à primeira infância (0-3 anos) criando creches públicas, uma vez que a cobertura de creches no concelho é de apenas 42%, na sua esmagadora maioria, privada com fins lucrativos;

 

·         Alargar a oferta de educação pré-escolar pública, de modo a garantir uma cobertura a 100%, o que não acontece atualmente se não à custa da oferta privada com fins lucrativos.

 

·         Reestruturar toda a rede escolar concelhia acabando com situações de turmas no 1.º ciclo com 3 e 4 níveis e um professor. Dotar a cidade de novos e modernos estabelecimentos escolares, devidamente equipados e estrategicamente localizados de modo a responder às necessidades da população e de uma educação de qualidade para todos.

 

·         Promover, de forma concertada com as escolas e com a Direção Geral dos Estabelecimentos Escolares, a oferta pública de percursos de formação alternativos que visem a formação ao longo da vida e a requalificação de adultos, nomeadamente com a abertura de cursos noturnos.

 

Num contexto onde mais de 3 milhões de portugueses ganham menos de 500 euros por mês, com 17% de desemprego e 25% da população no limiar da pobreza após apoios sociais, é necessário garantir que as escolas respondem de forma eficaz aos problemas dos pais e alunos em situação de cada vez maior fragilidade.

Assim, recuperando propostas que fomos apresentando a esta Assembleia, pensamos que a Câmara Municipal não se pode eximir das responsabilidades que tem de desempenhar no campo da ação social escolar, mobilizando recursos financeiros que garantam, nomeadamente:

·         Um programa de pequenos-almoços gratuitos para todos os alunos do ensino obrigatório, incluindo o pré-escolar que, encontrando-se em situação de fragilidade económica e social, o desejem.

 

·         Reforço dos apoios sociais (SASE)aos alunos carenciados integrados no escalão B, fornecendo-lhes almoço gratuito.

 

·         Assegurar um programa de fornecimento de refeições durante os períodos de pausas letivas, pois consideramos que as carências evidenciadas, bem como a condição de aluno, não se suspendem no período das interrupções letivas.

 

·         Assegurar a qualidade do fornecimento de refeições às escolas e jardins-de-infância, não a subordinando a meros critérios economicistas que objetivamente deterioram a sua qualidade.

 

·         Deverão, ainda, ser dados passos no sentido de implementar um programa faseado de aquisição e fornecimento gratuito de manuais e materiais escolares a todos os alunos da escolaridade obrigatória, mediante a criação de bolsas de empréstimo em cada estabelecimento escolar.

 

Para concluir, este roteiro pelas políticas autárquicas no campo da educação, recuperando e reafirmando todo um conjunto de medidas que o Bloco de Esquerda tem vindo a defender e a propor para a nossa cidade, pensamos que urge devolver a dignidade ao Conselho Municipal de Educação, promovendo o seu funcionamento efetivo e regular. Tornando-o um efetivo órgão de representação da comunidade educativa que funcione como instância de coordenação e consulta, em tudo o que diz respeito às decisões sobre política educativa do município.

Coimbra, 12 de Setembro de 2013

O deputado municipal do Bloco de Esquerda

Serafim Duarte