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Linha da Beira Alta: Uma Prioridade

Surgiram, nas últimas semanas, notícias sobre a possível – e há muito necessária – reabilitação da infraestrutura ferroviária da Linha da Beira Alta, no âmbito do Quadro Comunitário de Apoio 2014-2020. Aproveitando a ambiguidade da denominação do projeto ferroviário de modernização da Linha da Beira Alta, inscrito no Relatório do Grupo de Trabalho, nomeado pelo Governo, para as Infraestruturas de Elevado Valor Acrescentado (IEVA), logo começaram a surgir grupos de pressão com vista a ‘puxarem’ para as proximidades do Porto o aí designado ‘Corredor Aveiro-Vilar Formoso’.

Sabe-se que, na atualidade, não existe qualquer infraestrutura ferroviária de ligação direta (por Viseu-Mangualde-Guarda) do porto de Aveiro ao interior da Região Centro e à Espanha – a Linha do Vale do Vouga, ligando Espinho a Viseu, por Sernada do Vouga, em bitola reduzida, foi encerrada, em 1 de janeiro de 1990, no troço entre esta última estação e Viseu. Os autarcas da área do PSD e outros poderes influentes do eixo Porto-Aveiro-Viseu, incluindo ex-governantes, constituídos em lobby localista, logo se puseram em bicos de pés apontando uma nova linha Aveiro-Viseu-Mangualde, a construir de raiz, como obra prioritária, supostamente para encurtar a distância entre o porto de Aveiro e a fronteira. Se do lado de Coimbra outras individualidades da mesma área política se distanciaram desta ideia, isso não nos tranquiliza quanto ao que o governo prevê para a requalificação da Linha da Beira Alta.

Acontece que Portugal não se reduz a Lisboa e Porto e suas áreas metropolitanas, nem a Região Centro se definirá, por exclusão, relativamente às Regiões Norte, Lisboa e Vale do Tejo e Alentejo, com as quais confina. A Região Centro não é um simples espaço ‘branco’ entre os vales do Douro e do Tejo e a Espanha: é uma região diversa, mas com uma unidade específica, construída ao longo de séculos de história comum, que integra paisagens serranas, como Estrela, Gardunha, Caramulo, Bussaco, Lousã e Açor, entre outras, vales como os do Mondego, Vouga, Alva, Ceira e Zêzere, entre outros, e zonas costeiras do norte de Aveiro ao sul de Leiria. Ora, já existe um corredor ferroviário – a Linha da Beira Alta –  que, nas suas origens (1882), se iniciava na Figueira da Foz e, pela Pampilhosa, chegava a Vilar Formoso. A Linha da Beira Alta, com 252,522 km de comprimento, na sua totalidade, seguindo de perto o vale do Mondego, foi uma das linhas mais importantes da rede ferroviária portuguesa, quer para passageiros quer para mercadorias. Na estação da Pampilhosa, entronca com a Linha do Norte. O Ramal Figueira da Foz-Pampilhosa que, posteriormente foi separado da Linha da Beira Alta, foi-se degradando por inação da Refer e da CP, com a cumplicidade de sucessivos governos, até a circulação ser encerrada em 5 de janeiro de 2009, após a conclusão de obras de recuperação em parte do seu trajeto!

Depois de retomada e concluída a sua reabilitação, com a colocação de novos carris, este ramal pode cumprir, com muita vantagem, a função de ligar o porto da Figueira da Foz à futura plataforma logística rodo-ferroviária prevista para as imediações da estação da Pampilhosa, que, através da Linha do Norte e do novo ramal recentemente construído até ao porto de Aveiro, tem condições para interagir com esta infraestrutura. Daqui à Beira Interior e à Espanha, o percurso já está todo eletrificado, tendo via dupla entre Pampilhosa e o Luso.

Por isto tudo, não faz qualquer sentido ‘inventar’ um novo corredor ferroviário de dimensão internacional, como se já não existisse um. Que mais é preciso para que, construindo e/ou reabilitando este complexo de infraestruturas, se estabeleça uma ligação ferroviária altamente viável e com enormes potencialidades, entre os portos de Figueira da Foz e de Aveiro, o norte, o sul e o interior do país e a Espanha e o resto da Europa?