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O tesouro escondido do Terreiro da Erva

Em boa hora o Presidente da Câmara está empenhado em fazer do Terreiro da Erva um espaço urbano condigno, merecedor de estar ao lado de uma rua que é Património da Humanidade e dos que nele trabalham e vivem. Em melhor hora o projecto apresentado está em discussão pública.

Não percebo nada da arquitectura destes espaços e gosto de praças com árvores e bancos. Mas sei alguma coisa de Coimbra e sua História. Sei por exemplo que sob o Terreiro se encontram as ruínas da igreja de S. Justa-a-Velha, construída inicialmente no século XI, modificada e alteada no XIV e abandonada no XVII, pelo motivo do costume: as cheias do Mondego, que tanto destruiu mas que sob as areias que espalhou tanto nos guarda. E que pouco sabemos dela, sendo esta uma oportunidade única para através da Arqueologia a conhecermos. Retira-se o alcatrão, e uns 30 cm abaixo lá estão as grossas paredes (de resto os topos de dois arcos seus continuam embutidos num prédio que ali se mantêm).

Não percebo nada de engenharia civil, e tenho alguma curiosidade (uns 20 cm, digamos) em ver como se vai rebaixar o Terreiro meio metro sem tocar nas paredes da igreja. Mas sei alguma coisa sobre as leis que protegem o nosso património, sobre o olhar atento dos técnicos de Arqueologia e História da Arte que trabalham ali para os lados do Jardim da Manga, certamente com a mesma curiosidade que eu em assistir a tal milagre da técnica.

O problema é que, se o milagre não ocorrer, escavações de emergência são sempre complicadas e demoram. Pelo contrário, escavações planeadas são muito mais rápidas e desvendam mistérios. Estou certo que no Instituto de Arqueologia haverá quem se interesse por isso, e que diabo, numa cidade universitária não deve ser complicado unir esforços para se resolver antecipadamente o potencial imbróglio.

Já disse que não percebo nada de arquitectura de praças, que gosto de praças com árvores e bancos, mas gosto ainda mais de praças urbanas que aproveitam ruínas desvendadas, as mostram para nosso usufruto, inventando espaços diferentes de todos as outras, principalmente se estão entalados entre uma R. da Sofia e uma Judiaria que já foi Nova, e como sou optimista acredito ainda ter pedras que a contem.

Se fosse arquitecto de praças se calhar preferia saber primeiro em que estado se encontra a igreja, e depois desenhar em seu torno. Era mesmo capaz de apreciar a hipótese de ali se encontrar, dizem, os restos da demolida Torre de S. Cruz, feita do trabalho árduo dos canteiros que talharam o seu grosso aparelho, depois transformado em entulho. Pedras assim já não fabricam, e se calhar é um desperdício deixá-las debaixo de uma singela praça com bancos e árvores. Se percebesse alguma coisa dessas artes arriscava-me a dizer que uma praça não se começa a construir pelo telhado, mas já sei que as praças não têm telhados.

Mas podem ensinar História quando se reinventam respeitando a História. E esta pode ser uma bela história, se construída com respeito pela História de Coimbra (sei de muitas coisas que ocorrreram quando se esqueceu a História na minha cidade, tantas coisas e tantos pesadelos), com respeito pela ciência que me ensinaram. Uma História talvez mais pequena mas não menos bela que a de S. Clara-a-Velha, lá está, o mesmo Mondego que inventou Coimbra guarda-nos ainda tesouros, é só saber desenterrá-los e devolvê-los à vida, à nossa vida, mas disso percebem os vereadores, espero, e os arquitectos.