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Mulheres pioneiras nas ciências e tecnologias

Programadoras do ENIAC, primeiro computador digital eletrônico de grande escala, desenvolvido pelo Exército norte-americano durante a Segunda Guerra Mundial

Maite Garrido Courel*

De Hipátia, filósofa e matemática do Antigo Egito, até Frances E. Allen, a primeira mulher a receber o prémio Turing, entre anónimas e consagradas, leia mais sobre mulheres que promoveram avanços científicos e tecnológicos
Na solidão de um laboratório caseiro ou nas investigações clandestinas, no anonimato de um pseudónimo masculino ou à sombra do sucesso dos seus colegas/homens, a história das primeiras mulheres que dedicaram as suas vidas e os seus intelectos às investigações científicas não está isenta de nenhum destes fatores.
Muitos dos seus estudos e descobertas chegaram aos nossos dias com nomes e sobrenomes como Ada Lovelace, Grace Hopper ou Marie Curie. Outras são famosas exclusivamente nos seus respetivos campos de pesquisa, apesar das suas descobertas serem reconhecidas em todo o mundo. A estrutura da dupla hélice do DNA, os genes “saltitantes” capazes de transitar entre diferentes cromossomas, os chips microeletrónicos ou os processadores de texto, são apenas alguns exemplos.
A história está repleta de heroínas anónimas. Conheça algumas dessas mulheres que deixaram o seu rasto na história das ciências e da tecnologia.

Hipátia de Alexandria
Foi a primeira mulher a realizar uma contribuição substancial para o desenvolvimento da matemática. Graças ao filme de Alejandro Amenábar, “Ágora”, um grande público soube da vida desta cientista que escreveu sobre geometria, álgebra e astronomia, melhorou o desenho dos primeiros astrolábios – instrumentos para determinar as posições das estrelas sobre a abóboda celestial - e invemtou um densímetro. Nasceu no ano 370, em Alexandria (Egito), e faleceu, em 416, quando os seus trabalhos de filosofia, física e astronomia foram considerados uma heresia por um grande grupo de cristãos, que a assassinaram brutalmente.
Marie-Sophie Germain
“A lei geral de que a aprendizagem das mulheres deve ser obtida através de medidas heróicas ainda não ficou obsoleta. Ellen Watson (a primeira mulher a assistir a aulas de matemática na University College de Londres) fez todos os seus estudos antes do pequeno almoço, sem que a sua família suspeitasse, porque era obrigada a dedicar todo o dia a alfabetizar os seus irmãos e irmãs menores.” Foram estas as palavras escritas por Marie-Sophie Germain na sua coletânea inglesa, no início do século XIX.
Matemática, física e filósofa francesa, fez importantes contribuições para a teoria dos números e a teoria da elasticidade. Um dos seus estudos mais importantes foi o que mais tarde foi nomeado como números primos de Sophie Germain. Consciente dos impedimentos sexistas que enfrentava, assinou várias pesquisas com um pseudónimo masculino: “Por temer ser ridicularizada, por ser mulher e cientista, adotei previamente o nome de Monsieur LeBlanc”.
Emmy Noether
É considerada a mulher mais importante na historia da matemática. Nascida na Alemanha, em 1882, a figura de Noether ocupa um lugar de destaque no campo da matemática, especialmente na física teórica e na álgebra abstrata, com grandes avanços na teoria dos anéis, grupos e campos. Apesar disto e de ser reconhecida pela comunidade matemática da sua época, não foi aceite como pesquisadora e docente no Instituto de Matemática de Göttingen.
O físico Albert Einstein e o matemático David Hilbert, também alemães, tiveram que interceder para que ela fosse minimamente reconhecida e para que pudesse receber um modesto salário. No fim dos anos 20, fugiu da Alemanha com a ascenção do nazismo, não apenas pelos preconceitos que existiam naquela época contra as mulheres cientistas, mas pola sua condição de judia, social-democrata e pacifista.
Faleceu nos Estados Unidos depois de ser submetida a uma cirurgia uterina. Albert Einstein foi o autor do seu obituário: “A maior, mais importante e criativa génia matemática produzida na história do desenvolvimento educativo das mulheres”.
Lise Meitner
Física nascida na Áustria, em 1878, com um grande desenvolvimento no campo da radioatividade e da física nuclear, a sua intervenção foi crucial para a obtenção da energia atómica. Meitner descobriu o procedimento pelo qual se poderia obter a energia atómica e que, mais tarde, serviria para construir a bomba atómica, embora ela fnão tenha querido colaborar com o projeto duma bomba desse alcance.
O seu colega de laboratório, Otto Hahn, deu continuidade à sua pesquisa e, em 1944, ganhou o prémio Nobel de Química, deixando Meitner fora de todo o reconhecimento. Anos mais tarde, o meitnério (elemento químico de valor atómico 109) foi nomeado em sua homenagem. A sua genialidade também foi reconhecida com inúmeros prémios – paradoxalmente, em 1954, ela recebeu a medalha Otto Hahn.
Jocelyn Bell Burnell
Astrofísica británica que descobriu pela primeira vez um sinal de rádio de um pulsar. Nasceu, em 1943, na Irlanda do Norte, e a sua descoberta fez parte da sua tese. Essa radiação é o que hoje se conhece como pulsar, uma estrela de neutrões que gira sobre si mesma e que é o único objeto onde a matéria pode ser observada, a níivel nuclear.  
Jocelyn Bell Burnell publicou um artígo na revista "Nature" que deu a volta ao mundo, mas ol reconhecimento sobre esta descoberta foi para Antony Hewish, seu orientador, que recebeu o prémio Nobel de Física, em 1974.
Para Burnell, era claro o lugar de onde ela falava e pesquisava: “Uma das coisas que as mulheres trazem para um projeto de investigação, ou de facto qualquer projeto, é que vêm de um lugar diferente, têm uma história diferente. A ciência tem sido nomeada, desenvolvida e interpretada por homens brancos, há séculos, porém as mulheres podem ver a sabedoria convencional a partir de um ângulo ligeiramente diferente.”
Barbara McClintock
Nascida nos Estados Unidos, em 1902, esta geneticista foi reconhecida com um prémio Nobel de Fisiologia e Medicina pelas suas descobertas sobre os genes saltitantes. Mas tiveram que passar 30 anos desde o anúncio da sua teoria até lhe entregarem o prémio. Hoje, o facto de que os genes serem capazes de saltar entre diferentes cromossomas é um conceito essencial na genética e imprescindível para a compreensão dos processos hereditários. “Nunca pensei em parar e odiava dormir. Não posso imaginar ter uma vida melhor”.
Rosalind Elsie Franklin
“A ciência e a vida não podem, nem devem estar separadas”. Franklin é a cientista britânica com cujos dados James Watson e Francis Crick formularam, em 1953, o modelo da dupla hélice para descrever a estrutura do DNA, um dos marcos da biologia do século 20.
Apesar de Rosalind Franklin ter obtido os dados que permitiram definir, por meio de imagens tiradas com raios X, a estrutura de dupla hélice do DNA, ela não recebeu o prémio Nobel de Medicina e Fisiologia, mas sim os seus colegas Watson e Crick. Estes nunca mencionaram o seu nome, nem falaram do seu trabalho e mostraram sempre o seu desdém como cientísta. Ela faleceu, em 1958, quatro anos antes de a Academia Sueca ter reconhecido a importância da sua descoberta.
Mulheres tecnólogas
Os avanços posteriores na tecnología não se entendem sem as investigações científicas que se realizaram previamente nos campos das matemáticas ou da engenharia. Muitas das que dedicaram o seu engenho à tecnología, como Hedy Lamarr ou Joan Clarke, que vieram desses campos.
A história da computação ocultou durante anos as mulheres que estiveram por trás com o seu trabalho e a sua entrega. Como o caso paradigmático das mujeres do ENIAC. Um trabalho que realizaram nos anos 40, mas que foi invisível até 1986. Kathryn Kleiman  descubriu-as e deu-as a conhecer ao realizar uma investigação em Hardvard sobre o papel das mulheres na computação. Na descrição do posto de trabalho dessas mulheres indicava-se que para realizar este trabalho era necessário "esforço, criatividade mental, espírito inovador e um alto grau de paciência já que o ENIAC não tinha manual de programação".
As  mulheres, que hoje em dia se dedicam à computação, são herdeiras do trabalho que as suas antecessoras tiveram.
Lynn Conway
Conway foi uma das pioneiras no campo do design de chips microeletrónicos. Em 1965, participou no design do primeiro processador superescalar. As suas inovações, desenvolvidas nos anos 70 no Centro de Investigação de Palo Alto, nos EUA, causaram um enorme impacto no design de chips, a nivel mundial. Muitas das empresas tecnológicas de ponta baseiam-se no seu trabalho.
Lynn é trasnsexual e reinvidica-o publicamente. De facto, foi uma das primeiras mulheres transexuais a receber uma terapia de substituição hormonal e a submeter-se a uma cirurgia de redesign sexual. Em 1968, Lynn foi demitida da IBM, onde trabalhava, por causa da sua transexualidade, perdendo o trabalho que tinha realizado para a empresa. Porém, ela continuou a carreira de programadora, tornando-se professora universitária e ativista pelos direitos das pessoas transexuais nos EUA.
Frances E. Allen
Nascida nos EUA, em 1932, Allen foi a primeira mulher a receber o prémio Turing, equivalente ao Nobel de Tecnologia, em 2007, pelas suas contribuições que aprimoraram substancialmente o rendimento dos programas de computador e aceleraram o uso de sistemas de computação de alta performance. “Sou uma exploradora em quase todos os sentidos”, definía-se a própria Allen.
Investigadora da IBM, pioneira no campo da automatização de tarefas paralelas e otimização de compiladores (programas que traduzem um programa escrito numa linguagem de programação para outro), ela foi nomeada membro de honra da IBM, sendo a primeira mulher a obter esse reconhecimento. O seu trabalho contribuiu para os avanços dos computadores de alto desempenho para resolver problemas, como a previsão do tempo, a sequência do DNA e as funções de segurança nacional.
Nesta revisão frugal sobre algumas pioneiras das ciências e da tecnologia, não há mulheres latino-americanas, asiáticas ou negras. E não, porque elas não tenham existido.

Euphemia Haynes
Euphemia Haynes, nascida em Washington, em 1890, foi a primeira mulher afro-americana a obter um doutoramento em matemática, nos EUA, seguida por Evelyn Boyd Granville, também com um doutoramento em matemática pela Universidade de Yale, em 1945, são uma boa prova disso.
Mas se as nossas congéneres brancas, ocidentais e de classe média se lhes vetou, se lhes minou o acesso à pesquisa ou se as invisibilizou, podemos imaginar o muro com o qual se depararam aquelas mulheres com inquietudes científicas que não correspondíam aos cânones raciais, sexuais e de classe.
Às cientistas que conseguiram, às que lutaram e não conseguiram e às que nunca chegaremos a conhecer, dedicamos este texto especial no dia 8 de março.

Tradução: António José André

Publicado no site do jornal espanhol "El Diario":
http://www.eldiario.es/turing/pioneras-ciencia-tecnologia_0_363964002.html