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Manuel Machado – um ano depois: a reencarnação da “política das rotundas”

Manuel Machado, Presidente da Câmara de Coimbra, comemorou a semana passada um ano de mandato. A data foi assinalada com um périplo pela cidade, intitulado “Arrancado do papel”, e uma entrevista de várias páginas ao Diário de Coimbra. Não é preciso ir muito além das palavras do próprio Presidente da Câmara para perceber os contornos do ano que passou, em termos de políticas municipais. Estas não fazem mais do que repetir aquilo a que Manuel Machado já nos havia habituado, na sua “outra encarnação” (palavras suas).

Pouca memória terão aqueles/as que não se recordam do “Manuel das Rotundas”. Pois, interrogado pelo jornal, na referida entrevista, sobre as soluções que teria para a cidade no domínio da mobilidade (um domínio essencial e que requer particular estudo e planeamento), o Presidente da Câmara responde o seguinte: “Na auto-industrial, no Arnado, naturalmente, fica ali bem uma rotunda e vamos fazê-la”. Ou seja: aqui colocamos uma rotunda, ali um elétrico histórico, acolá uns arbustos da cor da cidade. Uma resposta emblemática de toda a gestão de Manuel Machado: do alto do seu trono, diz “gosto, posso, quero, mando, vou fazer”. Porque sim, porque servirá a alguém, sem qualquer razão ou lógica aparentes.

Ou seja, temos um Presidente da Câmara autocrata de um executivo no qual, ao contrário do que diz, nenhum vereador tem a liberdade de “verear” e num conjunto de serviços camarários que nenhum diretor dirige, porque a menor decisão é centralizada no gabinete da Presidência, o que resulta num total bloqueio de tudo o que depende da Câmara e na paralisia do concelho, sobejamente constatada pelos/as munícipes.

Temos um Presidente autocrata, porque quer, manda e se acha impune no conjunto de negociatas que violam a ética e a lei da gestão pública. Uma das suas primeiras e mais reveladoras medidas foi aumentar o limite dos ajustes diretos para 75 000 euros, o que lhe permitiu, com uma rapidez que não teve em mais nenhuma iniciativa, premiar um dos membros da lista com que se candidatou à Câmara, o autor do seu hino de campanha eleitoral, e aqueles que organizaram a comunicação desta mesma campanha.

Temos um Presidente autocrata, porque remete para a gaveta as propostas da oposição e não se digna, sequer, responder aos mandatos judiciais, preferindo manter vergonhas que embaraçam a cidade, como os monstros em ruinas dos Jardins do Mondego. Memória curta terão aqueles/as que esqueceram que o alvará inicial deste empreendimento data dos primeiros mandatos de Machado e que é dele – e do sucessor – a responsabilidade pela indignidade que vemos todos os dias à beira do Mondego, monumento de uma estreita ligação entre o poder autárquico e os interesses do imobiliário e da construção.

Temos um Presidente autocrata e incompetente, porque, à semelhança de um déspota (mal)iluminado, governa casuisticamente, com intervenções avulsas, sem uma ideia de cidade, sem a menor estratégia de qualificação e de desenvolvimento para o concelho. O périplo “Arrancado do Papel” foi disto a mais clara ilustração: a visita a uma série de pequenas obras, dificilmente marcas de uma política que corresponda às necessidades de Coimbra. Manuel Machado revela na entrevista o que já sabíamos: que os problemas determinantes da cidade e os projetos estruturantes continuam sem solução. O Metro de superfície, apesar das garantias dadas pelo Presidente da Câmara, não foi arrancado do papel e não o será tão cedo. A Sociedade de Reabilitação Urbana, confessa o próprio Machado, é uma sociedade fantasma, que consome inutilmente dinheiros públicos e da qual o Estado central se quer desvincular. O Presidente da Câmara não somente não consegue resolver este problema, como não apresenta nenhuma estratégia para a questão fulcral da requalificação urbana do centro da cidade, limitando-se a dizer que, um ano depois da classificação como Património da Humanidade, está encomendada a sinalética a colocar nas autoestradas! Da cartola, tira mais uma ação casuística – a reabilitação do Terreiro da Erva. É, sem dúvida, uma intervenção urgente e, por isso, o Movimento Cidadãos por Coimbra propôs que fosse sujeita a discussão pública: para que fosse bem feita, de um modo que correspondesse às caraterísticas históricas do espaço e que destas fosse retirado um potencial económico no âmbito do turismo e das atividades criativas. Mas Machado já sabe do que gosta, do que quer e do que vai lá pôr, ao arrepio de tudo o que deve e pode ser feito, no interesse da cidade. Ao invés de um Terreiro da Erva verdadeiramente reabilitado, teremos um espaço descaraterizado, à medida de uma qualquer rotunda machadística, só porque “posso, quero e mando”.

A mesma desorientação é a resposta de Manuel Machado para o I-Parque. Tratou-se de um dos maiores investimentos e de uma das maiores apostas camarárias dos últimos anos. Porém, sem dinâmica, sem capacidade de atração de empresas, com uma acumulação de passivo que o erário municipal não comporta, o I-Parque não passa de um elefante branco que trará um enorme buraco para a Câmara, para além de se correr o risco de perda de fundos comunitários. Qual é, de resto, a política de Machado para o desenvolvimento económico de Coimbra? Resta, como obra eleita para “obra de regime”, o Convento de S. Francisco. Apesar de todos os problemas que ainda falta resolver em termos de construção, Machado sabe que o Centro de Congressos (como agora lhe chama) abrirá daqui a um ano (o que não é certo e, mais uma vez, colocará em causa um enorme investimento e fundos comunitários). O que a cidade – e o Presidente da Câmara – não sabem é o que se pretende, afinal, daquela obra monumental, nem como esta se articulará com a também inexistente política para a cultura. Funcionará este megacentro como um eucalipto sumidouro de todos os meios com que mal consegue sobreviver a cultura que se produz em Coimbra?

Ao fim de um ano de gestão de Manuel Machado, Coimbra está pior: os espaços públicos descuidados e sujos, os transportes públicos (SMTUC) num estado calamitoso, o centro da cidade cada vez mais em ruinas, os agentes económicos, sociais e culturais abandonados à própria sorte ou sujeitos à política do beija-mão, pela forma discricionária como são atribuídos os subsídios, em sessões de auto-celebração propagandística dignas de um Rei-Sol. Um ano de mandato teria de ter servido para muito mais do que para (des)organizar os serviços camarários. Teria de ter servido, pelo menos, para começar a desenhar um rumo para o concelho. Para tal, porém, seria preciso pensamento, diálogo democrático, abertura às forças vivas da cidade para reflexões e intervenções qualificadas, bem planeadas, tão decisivas quanto os problemas o exigem. Machado, porém, governa à machadada. Uma coisa é certa: onde lhe der na real gana, poderemos contar com mais uma ou outra rotunda.