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Intervenção de Catarina Martins na Assembleia Municipal de Coimbra

Exmo. Senhor Presidente da Assembleia Municipal
Exmas. Senhoras deputadas municipais, Exmos. senhores deputados municipais
Exmo. Senhor Presidente da Câmara
Exmas. Senhoras vereadoras e exmos. Senhores vereadores

Perdoar-me-á o senhor Presidente da Câmara o facto de eu antecipar aqui o anúncio de parte do seu programa de comemoração do dia 4 de Julho, dia da cidade de Coimbra – a inauguração do Exploratório Centro Ciência Viva de Coimbra. Ou melhor, a inauguração de um edifício de exposições, realizado ao abrigo de um projeto QREN e com comparticipação da Câmara de Coimbra, o qual, apesar de concluído, permaneceu encerrado durante mais de um ano, porque a Câmara, apesar de compromissos assumidos no anterior mandato, não encontrou as soluções de ligação ao saneamento, não emitiu licença de utilização, e não concertou com a Agência Ciência Viva a atribuição do habitual subsídio de funcionamento, que teria permitido completar o projeto e dar a conhecer ao público um equipamento de excecional qualidade, ao nível do que melhor se faz na Europa em termos de divulgação científica.
Que um edifício de exposições, pronto há um ano, possa abrir por artes mágicas pouco mais de dois meses depois de uma mudança de direção forçada e imposta pela intervenção de três entidades, entre as quais a Câmara de Coimbra, não surpreende: Apenas confirma as suspeitas de jogos de poder e as ambições de controlo que estão por detrás da nomeação de alguém, cuja única vantagem em relação à direção exonerada é, como parece ter sido dito em assembleia geral, a capacidade de se relacionar com as entidades financiadoras, de modo a conseguir o dinheiro que, afinal, existia, estava disponível, bem como a capacidade técnica que uma simples ligação ao saneamento implica, se existir vontade política.
Para um órgão fiscalizador da atividade camarária, como é esta Assembleia, importa compreender a posição da Câmara neste processo e questionar o lugar do interesse público na sua intervenção. Senhor Presidente da Câmara: se há e havia dinheiro, se havia um compromisso de ligação ao saneamento, qual a explicação para se manter fechado um edifício que constitui uma mais-valia imensa para Coimbra do ponto de vista do turismo, da cultura científica, da educação? Que interesse público há em substituir uma direção manifestamente competente e não remunerada, a pouco tempo de terminar o mandato, para a substituir à pressa, através de manobras difamatórias e sob pressão, por alguém desconhecedor do equipamento, cuja remuneração trará custos acrescidos? Estou certa de que a sua ambição de cortar-fitas, Sr. Presidente, poderia ter sido realizada com a direção demitida, a qual sempre mostrou todo o sentido de respeito institucional. A única coisa que não teria conseguido, Sr. Presidente, e por isso agiu contra os princípios mais elementares do interesse público, da transparência, do respeito pela dignidade das instituições e das pessoas, era o negócio e o controlo político que obtém através de alguém que, como é sabido, integrou as listas com que se candidatou – e perdeu – a Câmara em 2001.
O que nos vale, Sr. Presidente, é a cidadania. É a voz dos cidadãos e cidadãs que, ao contrário do papel passivo que a sua conceção distorcida de democracia reserva para elas, levantaram a voz e desmascararam o seu jogo. Não deixarão de estar atentos a esquemas análogos. É engraçado ouvirmos dois homens que, em determinado momento foram candidatos das suas listas, Dr. Manuel Machado, e que por acaso se encontraram, em Aveiro, em cargos diretivos em tudo semelhante aos que hoje ocupam em Coimbra, falarem ambos em “estratégia de cidade”, “ideia de cidade”.
E já que estamos em S. Francisco, peguemos então nessa ideia comum a João Aidos e Paulo Trincão: estratégia de cidade. Têm toda a razão. É verdade que é imprescindível. Seria excelente que existisse. Seria excelente que o seu executivo possuísse esse pensamento integrador das diferentes áreas potenciadoras de desenvolvimento e daqueles que, na cidade, são já agentes de destaque nessas mesmas áreas, numa perspetiva de incentivo, de definição de linhas convergentes de intervenção. Nunca, mas nunca, na dimensão de controlo e nepotismo político manifesto nos ajustes diretos ou nas nomeações forçadas.
Estudei com atenção o documento estratégico de S. Francisco, apresentado por João Aidos em reunião de Câmara e procurei essa “estratégia de cidade”. O Movimento Cidadãos Por Coimbra sempre defendeu para um equipamento com um investimento deste vulto um papel axial no desenvolvimento da política cultural para a cidade. Era assim que devia ser. Sempre criticámos a indefinição que tem reinado até ao momento. Todavia, o que li foi um documento vazio e incompetente, um acumular de gralhas e slides balofos. Nenhuma ideia estratégica para a cidade, nem na dimensão económica, nem na dimensão da política cultural. É o turismo, aliás, e um segmento muito particular e restrito – o mercado de Reuniões, Incentivos, Congressos e Eventos de Indústria, pomposamente designado MICE – que é mencionado como eixo estratégico principal. Ou seja, um centro de convenções a alugar para congressos, com uma previsão de receitas de pouco mais de um milhão e meio de euros, certamente inflacionada e que suscita receios sobre a pressão que o funcionamento de S. Francisco exercerá sobre os cofres camarários. Não se vislumbra nenhuma ideia, mesmo que vaga, para ligação aos produtores de conhecimento, ao tecido empresarial, à inovação ou à captação de investimento. Não faria sentido, por exemplo, uma estratégia no campo económico que potenciasse a ligação com o I-Parque, que nem sequer é referido, apesar de S. Francisco apresentar como missão “criar oportunidades de negócio”? O investimento no negócio em S. Francisco é absolutamente incongruente com o estado moribundo em que se encontra o I-Parque, a consumir 500 000 euros ao ano. Qual a estratégia de revitalização do I-Parque, Sr. Presidente, caso seja conseguido o mais do que incerto processo de internalização? Não haverá oportunidades a aproveitar no âmbito do novo quadro Portugal 2020?
Também enquanto equipamento com um potencial axial no plano cultural, a estratégia apresentada no documento é nula. Um auditório que acolherá eventos produzidos no exterior, uma área expositiva e, eventualmente, residências artísticas. Nenhuma palavra sobre como se fará a ligação aos agentes culturais. Nenhuma reflexão sobre os restantes equipamentos municipais da área cultural, em relação aos quais a Câmara devia ter uma estratégia de programação integrada, com definição funcional e financiamento adequados, numa rede que fizesse sentido enquanto todo, diferenciado, mas complementar.
De todo o documento, acaba apenas por ressaltar uma coisa: o subsídio à exploração, que se prevê ser de um milhão de euros, ou seja praticamente o valor contemplado nas Grandes Opções do Plano de 2015 para a cultura de todo o município. Pela via financeira, o Centro Cultural de S. Francisco arrisca-se a estrangular toda a cultura produzida endogenamente e a matar os restantes equipamentos municipais.
O documento estratégico apresentado pelo gestor diretamente ajustado para S. Francisco é um documento incompetente, justamente por ser incapaz de definir o papel de um investimento de 30 milhões numa estratégia de cidade – seja ela na cultura ou no negócio. Ou é um documento que esconde algum plano político que a Câmara ainda não quer revelar. Estaremos muito atentos e faremos funcionar a cidadania e a democracia para contrariar quaisquer veleidades de eventual abuso de poder ou negócios pouco transparentes, para além daqueles que, como é sabido, já foram cometidos. E exigiremos, para este equipamento, a transparência, a excelência e a função de relevo que o investimento aqui colocado justifica.