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Helena

A experiência de estar na Grécia por estes dias é de uma intensidade esmagadora. Toda a gente em suspenso e toda a gente em movimento ao mesmo tempo.
Escrevo da Grécia, onde a 25 de Janeiro se vão realizar as eleições mais aguardadas desde que a Troika entrou nas nossas vidas e as instituições europeias começaram a tratar os países do sul da Europa como colónias de um sistema aprisionado pelos mercados financeiros. A experiência de estar na Grécia por estes dias é de uma intensidade esmagadora. Toda a gente em suspenso e toda a gente em movimento ao mesmo tempo. Sente-se esperança e desespero. O cenário é o de um país economicamente destruído e a viver uma crise humanitária sem justificação possível.
Todos os caminhos parecem vir dar aqui e logo no dia em que cheguei dei com as imagens de Mariano Rajoy a encher os ecrãs televisivos. Rajoy veio apoiar Samaras e dizer-lhe que em Espanha tinha um aliado e amigo. Veio também alertar para os “perigos” de eleger um governo do Syriza e pôr em causa tudo o que foi construído nos últimos anos. Imagem decadente, digo eu, de dois líderes que tentam o último suspiro antes do pronunciamento popular. É certo que todas as sondagens apontam para a vitória do Syriza, mas a verdade é que o nível de chantagem que se aplica por aqui converte-se num braço-de-ferro que irá tentar impor-se até ao dia das eleições. Todos os esforços e recursos estão postos ao serviço da reeleição dos “amigos de Bruxelas” e dos mercados.
Na quinta-feira dirigia-me para um ato público da campanha do Syriza e fui abordada por uma mulher de olhar sofrido que me pediu desculpas por não poder ir. Disse-me depois que nessa manhã tinha morrido a sua mãe e tinha de ir tratar do funeral. Lamentei a sua perda e abraçámo-nos. Disse-me depois que o dia seguinte seria o dia de todas as perdas. A Helena tem cerca de 50 anos e é desempregada de longa duração. Não aufere nenhum apoio social e a sua única família e garantia de sobrevivência era a curta pensão da sua mãe. No dia em que enterra a mãe, a Helena fica sem casa, sem o que comer e sem saber o que fazer ou para onde ir. É impossível ficar indiferente. Quando a Helena seguiu o seu caminho, a Aleka, companheira de tantas lutas, disse-me com as lágrimas nos olhos: “isto não é uma exceção. Está a acontecer cada vez mais, há muitas famílias que dependem exclusivamente das pensões dos mais velhos e quando estes morrem ficam sem nada”. Na sede do Syriza em Salónica formam-se filas à porta. Gente que vem pedir comida ou dinheiro. “É todos os dias assim”, referiu a Aleka. As redes de solidariedade são o que ainda mantém a sobrevivência de muita gente. A sala onde chegamos para o ato público rebenta pelas costuras. Aí junta-se a gente mais pobre do lado oeste da cidade. Recebem-nos com um profundo agradecimento por não nos esquecermos deles nos outros países.
Na Grécia por estes dias joga-se a sério o futuro da Europa. Joga-se em particular o futuro de Portugal e de Espanha. Se a esperança ganhar não acontecerá uma revolução, mas a dignidade voltará seguramente a fazer parte das variáveis que definem a política.