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Da democracia, da cidadania, da defesa da res publica ou da falta delas.

A propósito do convento de S. Francisco *
É sabido por quem acompanhou o Movimento Cidadãos por Coimbra, desde o seu surgimento, já lá vão dois anos (4 de Março de 2013), que o Convento de S. Francisco tem ocupado um lugar importante nas nossas preocupações e nas nossas propostas. É evidente que assim seja: trata-se do investimento de maior vulto da nossa cidade nos últimos anos, que deve, por isso, desempenhar um papel estratégico na criação de valor e na promoção do desenvolvimento num domínio fundamental para a afirmação de Coimbra - a cultura. Mais evidentes se tornam as preocupações dos Cidadãos por Coimbra quando são conhecidos os “acidentes de percurso” que têm levado a sucessivos adiamentos na conclusão da obra e a forma errática como esses “acidentes”, na realidade fruto de incompetências várias, têm sido geridos.
No que diz respeito a S. Francisco, a ação do Movimento Cidadãos Por Coimbra tem sido, a todos os títulos, exemplar do que deve ser a política, enquanto defesa da res publica. Incluíu, como é seu dever, uma dimensão de denúncia de erros políticos, de falhas técnicas e jurídicas, e de atropelos à legalidade, devidamente fundamentados, na Câmara, pelo vereador eleito: recorde-se como foi José Augusto Ferreira da Silva que impediu um ajuste direto de 10 milhões – que constituiria uma ilegalidade, pela qual o Município teria de responder – para obras que, como o próprio Presidente da Câmara viria a reconhecer, não excederiam os seis milhões. Na Câmara como na Assembleia Municipal, o CpC contestou igualmente o ajuste direto para a gestão e programação de S. Francisco estabelecido pelo executivo de Manuel Machado com a empresa de João Aidos, um dos membros da lista do PS candidata às últimas eleições autárquicas. Sobre este contrato, que não inclui uma dimensão de prestação de contas, falar de falta de ética política é um eufemismo.
Mais: a atuação do CpC, na Câmara como na Assembleia Municipal, pautou-se por uma atitude construtiva e propositiva. Registe-se, sobretudo, a insistência naquilo que parece óbvio, mas é ignorado pelo populismo insensato de quem usa o convento como uma “obra de regime” cuja presença monumental parece bastar para mostrar que “se fez alguma coisa”. É incompreensível e inaceitável que não esteja definida, até ao presente, a função efetiva daquilo a que ora se chama Centro de Convenções, ora Centro Cultural e de Espetáculos, ora, na gíria, World Trade Center… A gestão das obras, nos últimos meses, com concursos parciais para equipamentos que, em rigor, não se sabe se servirão para algum fim, demonstram o desgoverno do processo. O risco de a “obra de regime” se tornar um enorme elefante branco, quando, a alguns meses da sua prometida inauguração, ainda não se sabe com rigor para que servirá, é real e preocupante. A veemência do CpC em exigir um debate público alargado sobre S. Francisco é, por conseguinte, uma prova de que está a responder às suas responsabilidades cívicas e políticas.
É em defesa do interesse da cidade e da res publica que o CpC propôs um concurso público para a gestão e programação de S. Francisco. As relações de amiguismo e os favores políticos não podem, mais uma vez, sobrepor-se a uma escolha transparente, com um caderno de encargos definido, com avaliação de competências e de desempenho, com rigor na definição de estratégias. Um empreendimento da envergadura de S. Francisco acarretará enormes custos de gestão, funcionamento e manutenção, os quais apresentam o risco de sugarem, como um eucalipto, o orçamento camarário e, em particular, as já esqueléticas verbas dedicadas à cultura, matando não somente os restantes equipamentos culturais da cidade, como as estruturas de produção e criação artísticas. É indispensável conhecer o seu enquadramento e a sua relação com o tecido cultural da cidade, no âmbito de uma política cultural que, como o CpC tem vindo a demonstrar, o governo camarário também não possui. É preciso que esta relação seja pensada de modo estratégico para que seja potenciadora e não suicida. Chamar a atenção para estes problemas e avançar com soluções assentes na transparência e no debate democrático é uma prova da seriedade e da responsabilidade da intervenção política do CpC.
Na nebulosa que ainda é S. Francisco, Manuel Machado e o Partido Socialista resolveram fazer uma encenação de propaganda partidária. A denúncia deste aproveitamento, oportunamente feita pelo CpC, mereceu da concelhia do PS um comunicado cujos termos revelam à sociedade a diferença abissal do entendimento do exercício da política pelas duas organizações.
Ainda é muito cedo para o PS celebrar S. Francisco como ato de sucesso do executivo camarário. Pelo contrário, graças ao CpC, foi possível evitar erros crassos que teriam tido consequências graves para o projeto. Lamentavelmente, falta ainda saber se o projeto ficará concluído a tempo, falta saber o que realmente se fará ali, falta saber se servirá a cidade ou se trará prejuízo devido a uma função mal definida e a uma gestão mal conduzida, falta saber como será financiado, falta saber o que está a acontecer a coberto da obscuridade dos ajustes diretos. A procissão a S. Francisco ainda vai no adro…

* Publicado no Notícias de Coimbra - http://www.noticiasdecoimbra.pt/da-democracia-da-cidadania-da-defesa-da-res-publica-ou-da-falta-delas/

Catarina Caldeira Martins - Deputada na Assembleia Municipal de Coimbra eleita pelo Movimento Cidadãos por Coimbra. Membro da Coordenadora Concelhia de Coimbra do Bloco de Esquerda.