Share |

Ata da reunião n.º 18 da CCCC - 8 de fevereiro de 2021

Ata n.º 18 [reunião extraordinária]

Tema: Situação social na sequência da pandemia

Reunião on line da Comissão Coordenadora Concelhia de Coimbra (CCCC)

8 de fevereiro de 2021 21H15

Presentes (membros da CCC, suplentes e convidados/as): António José André, António Marinho, Helena Loureiro, José João Lucas, Manuela Rodrigues, Marcela Uchoa, Mariana Garrido, Natércia Coimbra, Sandra Silvestre, Serafim Duarte e Paulo Anjos (convidado).

Contributos do Paulo Anjos, Associação Existências[1] e dos/as presentes

Notas sobre o contexto pandémico:

  1. A pandemia aprofundou os desafios de proteção e promoção de cuidados de saúde para pessoas em situações de vulnerabilidade na cidade, em especial as que ocupam ou se movem nos circuitos da Baixa de Coimbra. Nos dois confinamentos, quer em 2020, quer em 2021, os espaços e ruas que outrora estavam ocupados por comerciantes, compradores e turistas, viram-se esvaziados. Assim, quem antes era invisibilizado ou passava despercebido, tornou-se mais visível, sendo cada vez mais clara e transparente a existência de pessoas em situação de vulnerabilidade na área da Baixa.
  1. A desertificação da Baixa – que estava a ser invertida antes da pandemia, mas que se agravou agora em duas fases – veio trazer à luz o problema da insegurança e criminalidade nas suas ruas. Nos últimos meses, tem-se verificado que um grupo de jovens incorre em atividades criminosas e problemáticas, desde tráfico de droga, a assaltos e a outras formas de violência. Crê-se que alguns/mas habitarão com as suas famílias na Baixa, mas que outros/as sejam de outras zonas e se desloquem para conviver com amigos/as nestes espaços, onde o vazio e a escuridão proporcionam outras atividades – situação que talvez se dilua quando o turismo regressar, mas não totalmente. A falta de ocupação e de entretenimento para estes/as jovens também evidencia a falta de políticas de e para a juventude no município, assim como possíveis condições socioeconómicas e familiares problemáticas.
  1. Quanto à situação de insegurança na Baixa, no final do primeiro confinamento (2020), comerciantes da Baixa solicitaram maior policiamento, evidenciando estes desafios de insegurança. A polícia tem feito um esforço enorme para identificar e deter quem trafica na Baixa, mas tal também cria pressão e desconfiança sobre quem consome. Além disso, surge a questão sobre se maior policiamento significaria necessariamente maior segurança nestas ruas. Questão da falta de iluminação de algumas ruas também contribui para situação e sensação de segurança de quem se move pela Baixa, especialmente mulheres.
  1. Quando às/aos trabalhadoras/es do sexo ou mulheres e homens prostituídos, a sua situação em Coimbra tem evoluído ao longo das últimas décadas. Se há 20 ou 30 anos, era visível que havia mais de trinta pessoas a dedicar-se a estas atividades nas ruas de Coimbra – sobretudo na Baixa e na Avenida Fernão Magalhães –, hoje há bastante menos a fazê-lo nessas condições e com essa exposição. A prostituição “de montra” já não é muito comum (talvez entre 4 a 5 pessoas) e a procura de clientes passou a fazer-se cada vez mais por via de anúncios em jornais ou online, enquanto os serviços são cada vez mais prestados em casas próprias, por norma com a devida salubridade e condições. Estas casas podem estar localizadas em qualquer parte da cidade e pertencem por normal a alguém que numa certa fase da vida já se dedicou à prostituição. Acrescenta-se ainda que muitas pessoas que exercem estas atividades acabam por se mudar de cidade em cidade ao fim de algum tempo, de forma a continuarem no anonimato, a diversificar clientes, ou por outras razões.
  1. Quando às/aos trabalhadoras/es do sexo ou mulheres e homens prostituídas/os, é importante ainda fazer uma caracterização de género e de origem/nacionalidade. A vasta maioria são mulheres que prestam os seus serviços a homens, mas há também homens que fazem sexo com homens, pessoas transsexuais, assim como casais nos quais o homem, para fins de toxicodependência, coage ou não a mulher a prostituir-se. No que diz respeito a nacionalidades, estima-se que 50% destas pessoas sejam portuguesas/es e 50% estrangeiras/os, sendo que destas/es últimas/os, 80% serão de origem brasileira.
  1. No que diz respeito às/aos trabalhadoras/es do sexo ou mulheres e homens prostituídas/os e sobretudo às/aos estrangeiras/os, as atividades que desenvolvem, o estigma de serem estrangeiras/os neste país e a possível situação de pobreza que algumas/uns atravessam, agrava e dificulta o acesso a cuidados de saúde e a outros serviços. Neste contexto, além do SNS, temos associações como a ‘Existências’ que prestam apoio direto de saúde a estas pessoas, prevenindo e rastreando o VIH/Sida e outras Infeções Sexualmente Transmissíveis junto das populações alvo (assim como prestando outros apoios através de redes de contactos, nomeadamente no âmbito da prestação de apoio psicológico ou jurídico). Nos diversos gabinetes de atendimento, nem sempre funcionários/as têm entendimento alargado necessário sobre as coisas, pelo que associações como a ‘Existências’ têm de intervir informalmente para que “coisas aconteçam”. No caso do trabalho da ‘Existências’, o objetivo é prestar vários apoios e cuidados sem promover a remoção das pessoas das práticas que desenvolvem, enquanto outras organizações, como é o caso da Equipa de Intervenção Social “Ergue-te” das Irmãs Adoradoras, aposta na retirada das pessoas destas práticas.
  1. Quanto ao acesso a cuidados de saúde, esta questão aparenta ser um desafio mais alargado para cidadãos e cidadãs estrangeiros/as na cidade. Sendo Coimbra uma cidade de estudantes, com muita rotatividade nos seus habitantes, há por vezes alguma reticência dos Centros de Saúde em dar acesso a quem pensam que estará em trânsito – nomeadamente estrangeiros/as, jovens estudantes e brasileiros/as. No caso dos/as cidadãos brasileiros/as, “o PT/BR-13, antigamente chamado PB-4 ou Certificado de Direito à Assistência Médica (CDAM), confere ao brasileiro ou estrangeiro vinculado à Previdência Social o direito à assistência médica em Portugal nas mesmas condições que um cidadão português.”. Ainda assim, este certificado tem de ser renovado com regularidade e o número de utente do SNS só será atribuído após autorização permanente de residência no país. Se a inscrição e a obtenção de Médico de Família já é desafiante para cidadãos estrangeiros, então para pessoas em situações de vulnerabilidade ou que enfrentam este estigma, a situação é mais desafiante ainda. Sobre estes temas, é de sublinhar ainda que a Carolina Moreira da UMAR e da Rede de Mediadores Municipais e Interculturais indica que durante a pandemia, muitas mulheres imigrantes com filhos e grávidas ficaram muito desamparadas no seu acesso a direitos, uma vez que não têm redes de apoio, associações ou familiares presentes que as suportem nesses esforços. Nota-se ainda que há uns anos a GRAAL teve o Projeto Girar sobre acesso da população imigrante à saúde em Coimbra, que terá certamente recolhido impressões relevantes para o tema.
  1. No que diz respeito à utilização de drogas, este fenómeno sempre existiu na Baixa de Coimbra, daí que as associações até se tenham organizado para distribuir apoios dentro desse perímetro. Recentemente, contudo, com o abandono da Baixa por via do confinamento, tem havido cada vez mais práticas de consumo na rua e com exposição às pessoas. Segundo as associações, haverá entre 50 a 60 pessoas a consumir drogas injetáveis nesta zona da cidade. Neste momento, utilizadores/as regulares de drogas como heroína e cocaína da Baixa reúnem-se e vivem numa casa abandonada que encontraram, na qual têm um mínimo de condições reunidas, uma vez que arranjaram forma desta casa ter energia. Ainda assim, não existe nenhuma “casa de chuto” em Coimbra e seria importante olhar para a experiência de Lisboa para aprender e propor nesse sentido.
  1. Com o empobrecimento que se vive em Coimbra, não apenas das comunidades acima mencionadas mas da população em geral, nomeadamente da que perdeu os seus empregos, ocupações e rendimentos (por exemplo, quem trabalhava sem contrato na área da restauração), as ofertas de serviços de alimentação das associações têm também vindo a ter mais procura. Associações como a Cáritas e a Cozinha Económica, junto ao Terreiro da Erva, e a CASA – Centro de Apoio ao Sem Abrigo, no Pátio da Inquisição, servem centenas de refeições a pessoas em situação de sem-abrigo, assim como a pessoas com habitação cujas necessidades têm vindo a aumentar. Com a pandemia, tem-se colocado o problema de que estas associações oferecem as refeições na rua e as pessoas levam-na em sacos de plástico para outros locais, mas já não têm espaços fechados, seguros, protegidos do mau tempo para comer como em tempos normais.

Linhas gerais de reivindicações possíveis (algumas para a pandemia, outras para manter a largo prazo):

  1. Recolha de dados sobre a discriminação ou dificuldades de acesso por parte da população imigrante a cuidados de saúde e prestação de garantias de acesso universal a esses mesmos cuidados.
  1. Formação dos/as técnicos dos serviços públicos municipais para a realidade dos/as trabalhadores/as do sexo e das pessoas em situação de sem abrigo, de forma a promover práticas mais inclusivas por parte dos/as profissionais.
  1. Mapeamento dos focos de insegurança na Baixa de Coimbra e introdução de iluminação pública em todas as ruas que não a tenham, de forma a incrementar situação e sensação de segurança para quem lá trabalha, habita e passa nas suas deslocações diárias.
  1. Criação de local de consumo assistido na Baixa de Coimbra para consumidores de droga que consomem substâncias aditivas por via injetável.
  1. Apoio financeiro, higiénico e sanitário do município à reabertura dos espaços cobertos junto das associações que prestam serviços de alimentação (Cozinha Económica e CASA) durante a pandemia, para que as pessoas que recorrem a estes apoios possam comer em espaços comuns, cobertos e seguros, com as devidas condições de higiene e distanciamento social. Em alternativa, propomos a aplicação de tendas no Terreiro da Erva e no Pátio da Inquisição, semelhantes às feitas na Praça da República para fins comerciais, para este efeito.
  1. Criação e investimento numa Política Municipal para os Jovens, que intervenha junto de jovens em situações de vulnerabilidade, em parceria com outras organizações locais (artísticas, de desporto, de educação ou de apoio social) e dê apoio á criação de coletivos e associações juvenis.
  1. Recuperação e reabilitação de habitações municipais e disponibilização das mesmas para habitação social, fugindo à lógica de segregação nas periferias, e cedência de lojas ou espaços comerciais por parte da Câmara a projetos de associações com vertente comercial que promovam alternativas de rendimento a populações em situação de vulnerabilidade socioeconómica.

Outros dados a recolher: situação das pessoas em situação de refugiados e respetivas medidas de integração em Coimbra, direitos e situação económico-social da comunidade cigana, direitos das crianças e violência doméstica em tempos de pandemia, etc.

Foi produzido um comunicado para os OCS, que também está disponível neste site.

Coimbra, 8 de fevereiro de 2021

Mariana Garrido

[1] A Associação Existências é uma associação de solidariedade social com base em Coimbra, que se dedica à intervenção social e comunitária e à promoção e prestação de cuidados de saúde junto de pessoas utilizadoras de drogas, de trabalhadoras/es do sexo ou mulheres e homens prostituídas/os e de pessoas em situação de sem-abrigo.