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O Leslie e a organização da orla costeira

O arquiteto Miguel Figueira publicou uma série de mini-textos nas redes sociais, muito interessantes, sobre a resposta das estruturas à passagem do Furacão Leslie, devidamente ilustrados com fotografias do estado dessas estruturas, após o fatídico 14 de outubro.

Esse conjunto de publicações ajuda-nos a perceber os principais problemas de que padece a organização da nossa costa.

Temos problemas de qualidade de construção e de materiais utilizados, bem como problemas de resposta das estruturas aos ventos fortes e precipitação e especialmente nos casos de infraestruturas públicas e privadas localizadas excessivamente perto da costa.

Algumas delas remetem-nos para debates, uns mais recentes, outros mais antigos, sobre a sua localização e implementação. Algumas acumulam com processos pouco transparentes e negócios chorudos para meia-dúzia de privilegiados.

Como já é característico das redes sociais, surgiu um imediato apontar de culpas muito focado sobre questões imediatas e bem menos sobre decisões e responsabilidades que remontam a alguns anos ou mesmo a décadas. E neste tipo de catástrofes naturais são sobretudo a más decisões de uma ou várias décadas que são colocadas à prova.

Os destroços de estruturas móveis e imóveis que foram projetados a dezenas ou centenas de metros embateram e causaram estragos a bens e edifícios, colocando vidas em perigo. Uma boa parte destes destroços resultam das tais más decisões de poderes públicos, de empresários e de associações.

As fotografias do Miguel e as imagens veiculadas na comunicação social mostram bem que muitos ex e atuais autarcas, empresários e privados deveriam estar agora a fazer um ‘mea culpa’.

Deveriam refletir sobre se os seus bens e propriedades estão bem ou mal localizados na orla costeira, se estes representam ou não um perigo para si e para terceiros em caso intempérie, se a construção pelo qual são responsáveis poderá resistir ao tempo, particularmente se se tratam de estruturas pagas pelo erário público.

Sinceramente, parece-me que muito poucos estão a fazer este exercício.

Publicado no LUX24 - 22 de agosto de 2018