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Nem fascismo, nem ditadura financeira. 25 de Abril Sempre!

Intervenção de Serafim Duarte, deputado municipal do Bloco de Esquerda na sessão comemorativa do 25 de Abril no Salão Nobre da Câmara Municipal de Coimbra

 

Que é feito do sol de Abril

que nos circulou nas veias?

Que é feito do mês do sonho

quando o sonho era concreto

e tinha formas de casas

portas abertas e pão

quando o sonho que sonhámos

era um filho coletivo

parido pela multidão

                                    Que é feito do mês de Abril?

                                                               (José Fanha)

 

Durante a ditadura o país era uma coutada de latifundiários e de uma oligarquia nacional que teimava, custasse o que custasse, contra ventos e marés, manter povos oprimidos em nome de uma ilusória grandeza colonial e uma imensa maioria da população pobre, iletrada e sem liberdades.

Portugal, como então dizia Salazar, era um país essencial e incontornavelmente pobre devido ao seu destino rural, onde cada um se devia conformar com o seu lugar social e resignar-se com o seu destino.

As mulheres sobre exploradas, submissas à autoridade patriarcal, sujeitas às maiores violências, sem voz própria,  nem autonomia.

Era o paradigma da felicidade possível com o país prostrado, triste e impotente na cauda da Europa, do progresso e do desenvolvimento.

Para preservar o regime era necessário assegurar a estabilidade social, conservar a ordem política e económica custasse o que custasse.

Com uma repressão omnipresente – em cada esquina um diligente bufo da PIDE, acolitada pelos zelosos legionários e dirigentes da Mocidade Portuguesa - os que ousavam resistir à ditadura, pagavam a ousadia com longas estadias nas prisões do regime, submetidos a duras e prolongadas sessões de tortura.

Neste país triste e acabrunhado, vergado pela ditadura, sobrevivia com salários de miséria uma imensa mão-de-obra desqualificada e em grande medida analfabeta (em 1960 rondava os 40%) porque a educação era encarada com reservas e cautelas.

O sistema educativo devia cumprir as funções de formação e qualificação dos quadros técnicos necessários ao aparelho produtivo e assegurar a reprodução dos seus quadros dirigentes. Por isso o acesso ao ensino superior era reservado às elites. Existem hoje mais estudantes só na Universidade de Coimbra do que aqueles que existiam em todo o país na década de 60.

As taxas de mortalidade elevadas, especialmente a infantil que ultrapassava os 50‰, colocando o país ao nível dos países mais atrasados. A esperança média de vida não ultrapassava os 65 anos de idade. Todos os anos dezenas de milhares de homens e mulheres sem esperança e sem futuro abandonavam o país à procura de uma vida melhor e em liberdade.

Resistindo aos ventos de mudança da história, o regime teimou em impor o domínio colonial, contra tudo e contra todos, que resultou numa trágica guerra de 13 anos, gerando destruição, sofrimento e milhares de perdas humanas de ambos os lados.

O 25 de Abril veio abrir portas onde nem janelas havia, apenas muros.

Foi liberdade, multidão projeto, mobilização. Foi mudança, esperança, paz e revolução.

Pôs-se fim à guerra, restaurou-se a liberdade e a democracia, desenvolveu-se o país, melhorou-se a qualidade de vida, renovou-se a esperança e o povo tomou em mãos a construção de uma sociedade mais justa e de um mundo melhor.

Construíram-se casas para quem as não tinha, abriu-se a escola a quem nunca a pôde frequentar, uma escola democrática, universal, inclusiva e de sucesso para todos. Fundou-se o Serviço Nacional de Saúde, criando-se condições de acesso universal à saúde. Os progressos foram enormes, a taxa de mortalidade infantil desceu vertiginosamente, colocando Portugal entre os melhores do Mundo; a esperança de vida aumentou cerca de 20 anos. Protegeram-se os mais fracos e vulneráveis garantindo-lhes de forma solidária e justa, embora ainda insuficiente, pensões de reforma e de velhice, subsídios de desemprego e de inserção social, condições mínimas para uma vida com mais dignidade.

Trinta e nove anos depois que é feito do mês de Abril? Que é feito das promessas de mudança, de progresso e da esperança de uma sociedade mais justa de que Abril foi portador?

Querem-nos fazer crer que andámos a viver acima das nossas possibilidades. Repetem até à exaustão que o Estado social é demasiado gordo e insustentável e que não há outro caminho se não abdicar das conquistas democráticas e dos progressos sociais, frutos vermelhos e sumarentos de Abril. Martelam-nos todos os dias, como se fosse um mantra, que não há outro caminho senão empobrecer, e muito, custe o que custar. Em nome de uma ilusória competitividade esmagam-se os rendimentos do trabalho, faz-se tábua rasa de direitos laborais e sociais agrava-se a pobreza e a exclusão social.

Se antes do 25 de Abril de 74 o país estava manietado por uma oligarquia nacional que oprimia os povos e mantinha a nação empobrecida, iletrada e sem liberdade. Hoje, a pretexto da crise da dívida soberana, Portugal encontra-se refém, tolhido e servilmente subordinado a uma tirânica e fria plutocracia internacional, que impõe uma verdadeira ditadura financeira, através de empréstimos asfixiantes com juros usurários, garantindo aos credores rentabilidades especulativas e, aos povos, uma austeridade sem limite nem fim, custe o que custar.

Como outrora Salazar, querem que nos conformemos a viver num país pobre e sem esperança, onde impera o trabalho precário, salários de miséria, desemprego. Onde se aponta a porta da rua aos jovens, compelindo-os a emigrar, tal como outrora os seus avós se viram obrigados a abandonar o país procurando o trabalho e a dignidade que lhes era negada no seu país.

Repetem-nos até à saciedade que o Estado social é insustentável, preparando-se para rasgar o contrato social e fazer tábua rasa de direitos e conquistas sociais que Abril permitiu que florescessem.

Está em marcha uma verdadeira contrarrevolução em que o grande capital e os interesses financeiros internacionais procuram recuperar das cedências que se viram obrigados a fazer na Europa do pós-guerra e em Portugal no pós-25 de Abril de 74.

Vivem-se tempos em que a ganância capitalista, a voragem de lucros e rentabilidades ilimitadas não conhece limites, mostrando-se disposta a tudo sacrificar, provocando uma autêntica regressão civilizacional a que teremos de nos opor sob pena de mergulharmos numa austeridade eterna, num empobrecimento contínuo e sem esperança para a esmagadora maioria da população.

É mais do que tempo do povo se levantar e do país se libertar da ditadura de uma política de austeridade cega, custe o que custar, que está a fazer regredir o país a níveis socioeconómicos e de desenvolvimento dos anos sessenta, destruindo empresas, agravando o desemprego, sem que se descortine qualquer sinal de esperança de inversão de rumo.

Há que reavivar o espírito de Abril, o que hoje significa resistir às imposições da ditadura financeira imposta pela oligarquia dominante que empobrecem o país, proletarizam a classe média e agravam as condições de vida dos mais carenciados empurrando-os para a indigência e a indignidade existencial.

Não há outro caminho se não unir as resistências nacionais lutando por uma outra alternativa política e económica. Há que forjar na luta conjunta e solidária com os outros povos europeus, em especial os dos países mais atacados pela especulação financeira internacional, soluções alternativas que coloquem em primeiro lugar o combate ao flagelo do desemprego, promovam políticas de crescimento económico e uma mais justa repartição da riqueza, capaz de gerar o bem-estar das populações e não apenas o enriquecimento contínuo e sem limites de uma ínfima minoria.

Hoje, comemorar a revolução do 25 de Abril só pode significar manter viva a esperança na força coletiva de um povo que pode tomar em mãos os seus destinos, gerando uma grande maioria social e política capaz de sacudir a ditadura da austeridade financeira, construir no diálogo unitário soluções alternativas, recusar como inevitável o empobrecimento eterno e o recuo civilizacional.

Concluo como iniciei:

Que é feito do 25 de Abril

Que nos circulou nas veias?

Que é feito do mês do sonho

25 de Abril sempre!