Diz a lenda que, em 1737, o líder militar do império russo, Grigory Potemkin, mandou construir várias aldeias falsas para mostrar à czarina Catarina II, na sua excursão à recém anexada Crimeia, como tudo tinha sido um sucesso e que a urbanização da região estava concluída. No seu trajecto a czarina haveria de ver belas aldeias, que na verdade não passavam de fachadas pintadas que encobriam o vazio e a pobreza. Ocorreu-me esta imagem esta semana na sequência de um tweet publicado pelo ainda presidente do Parlamento Europeu António Tajani.
Na sequência de mais dois horríveis ataques terroristas em Tunes, Tajani escreveu: “Os meus pensamentos estão com as vítimas dos ataques de Tunes e com as suas famílias. Solidariedade total com as forças de segurança que todos os dias arriscam as suas vidas pela nossa segurança”. A mensagem, aparentemente simples, é um verdadeiro tratado. Ignorando a última frase, que me parece no mínimo enigmática - “nossa segurança”? Segurança de quem, dos tunisinos ou dos europeus? - a verdade é que para Tajani, Mogherini, Juncker, ou qualquer outro líder europeu em final de mandato, resta apenas a Tunísia. É a Tunísia que poderá servir de bandeira depois de cinco anos de completo falhanço da política europeia com os países que sobreviveram à chamada Primavera Árabe. A Síria dispensa explicações, a Líbia converteu-se num inferno, ao Egipto fecha-se os olhos a qualquer atrocidade ou violação de direitos humanos e espera-se que ninguém dê isso. Neste cenário de total incapacidade europeia, resta a Tunísia. Mas será mesmo assim? O que é que na verdade sabemos da Tunísia e dos desenvolvimentos mais recentes? A União Europeia apoia financeiramente e de forma muito significativa a Tunísia, mas as desigualdades persistem. No dia que escrevo é impossível confirmar sequer se o Presidente continua vivo, já que esta semana vieram a público notícias completamente opostas, umas dando-o como morto, outras dando-o como ainda vivo. Tunes voltou a ser palco de atentados terroristas para provar que ao contrário dos anúncios claramente exagerados de erradicação do terrorismo, por aquelas bandas o ISIS continua activo. Uma pessoa morta, vários feridos, de novo o medo e a saúde do Presidente formam, assim, o pacote completo para o regresso do pânico. À beira da possibilidade de novas eleições, altera-se a lei eleitoral para que sejam excluídos alguns candidatos. A Europa precisa desesperadamente que a Tunísia seja um caso de sucesso, mas preocupa-se verdadeiramente com as reais condições de vida e do estado da democracia no país? Para se poder ter uma bandeira é preciso ter conteúdo. O mandato está a acabar mas a vida segue na Tunísia e parece-me evidente que para as lideranças europeias tanto faz que seja real ou que seja só apenas mais uma vila Potemkin.
Publicado no “Diário de Notícias” - 29 de junho de 2019