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A DEMOCRACIA, OS COMPROMISSOS E A INTERVENÇÃO DOS CIDADÃOS

Câmara Municipal de Coimbra

Estes meses de novembro e dezembro de 2012 ficarão assinalados na história deste país como os do triunfo – por pouco tempo, desejamos nós – da prepotência cesarista da governação, expressa, entre outras medidas anteriores, já aqui denunciadas, na sucção fiscal sem limites e na subtração às comunidades locais dos meios fundamentais da sua sobrevivência.

Assistimos à imposição de um orçamento de estado com as medidas mais cruéis de extorsão aos cidadãos e empresas das somas mais avultadas de sempre em impostos e taxas. Simultaneamente, a maioria votou a eliminação de mais de um milhar de freguesias e, de seguida, de múltiplos serviços públicos de proximidade, que constituem a razão de ser duma administração local, efetivamente voltada para as comunidades. Estas medidas configuram a imagem de marca dum governo e duma maioria que, neste ano e meio de devastação, fizeram tudo ao contrário do que prometeram na campanha eleitoral e do que afirmaram constar da matriz basilar do seu ideário político. A valorização da pessoa humana, do trabalho, da educação e da cultura, a redução das despesas do estado e a consequente libertação dos encargos das famílias com impostos, a melhoria dos serviços públicos, enfim, o ‘paraíso social e fiscal’ da direita não passaram de ilusão e de engano programados. Para este governo PSD/CDS, a apropriação de um sétimo do rendimento anual dos trabalhadores da administração pública e dos reformados e aposentados, não foi mais que uma redução da despesa do estado, como se este não tivesse obrigações contratuais para com eles. No mínimo, é descaramento. Para estes governantes, os compromissos só existem para com toda a malha dos credores e das instituições interestatais que os sustentam. Como muitos têm afirmado, são fracos com os fortes e fortes com os fracos. Trocam princípios e valores por subserviência aos poderosos da finança. Mostram insensibilidade aos sofrimentos dos cidadãos, designadamente, dos que os elegeram. Desprezam os que trabalham e lutam por um futuro melhor para si e seus filhos. Enfim, visam somente reforçar o seu poder e as suas clientelas, protegendo-se mutuamente.

O mais recente exemplo deste desempenho político é a Proposta de Lei n.º 104/XII, em que o Governo vem propor um novo regime jurídico para as áreas metropolitanas e comunidades intermunicipais. Quais as principais novidades? a) a criação de um Conselho Executivo, remunerado e eleito por um colégio eleitoral que se dissolve após a eleição; b) a constituição dum Conselho Intermunicipal, composto exclusivamente pelos Presidentes de Câmara dos municípios que integram a área metropolitana ou comunidade intermunicipal; c) a extinção das atuais assembleias metropolitanas e intermunicipais constituídas a partir das assembleias municipais. Um outro aspeto decisivo é de assinalar: o atrofiamento democrático proposto é tanto mais grave quanto aumenta o leque de atribuições das áreas metropolitanas e comunidades intermunicipais, designadamente, a nova competência regulamentar com eficácia externa e os poderes tributários propostos para as áreas metropolitanas e comunidades intermunicipais, que passam a dar obrigatoriamente parecer às assembleias municipais em matéria de fixação de taxas, impostos e exercício de poderes tributários, condicionando o papel dos seus membros, cuja legitimidade resultante de eleição direta é assim condicionada.

Ora, num contexto em que se reforçam os poderes de entidades supramunicipais, o que faz falta é avançar com a eleição direta dos órgãos das áreas metropolitanas e das comunidades intermunicipais e com a regionalização, em nome do reforço da democracia local e regional, enfim, cumprindo os princípios constitucionais. O inverso, a restauração pré-constitucional, que este governo está a tecer meticulosamente, visará, com todas estas medidas políticas, a limitação das competências dos órgãos do poder local, a rutura do contrato de cidadania entre eleitores e eleitos, a quebra de solidariedade entre os poderes central e local e a progressiva vinculação dos poderes constituídos aos interesses instalados, ao nível local, regional, nacional e internacional, cada vez mais à margem do escrutínio dos cidadãos.

Uma outra área de extrema importância para a vida da sociedade, designadamente em tempos de crise, é a da cultura. Como todos os membros desta Assembleia terão conhecimento, no passado dia 29 de setembro, Coimbra deu um sinal muito forte em defesa da cultura, ao promover múltiplas iniciativas, visando tornar visível a importância da criação artística na vida das pessoas, mesmo quando outras necessidades básicas estão ameaçadas pelas políticas de austeridade. 27 iniciativas culturais em 14 espaços diferentes da cidade. Cerca de 80 artistas envolvidos, para além de membros do Manifesto em Defesa da Cultura. 1345 novos subscritores do manifesto nacional. Mais de três mil pessoas a assistir às atividades realizadas. É este o balanço do Núcleo de Coimbra do ‘Manifesto em Defesa da Cultura’, que propugna o reforço do investimento público na cultura como única forma de assegurar a todos os cidadãos a diversidade e a universalidade duma oferta cultural de qualidade, independentemente da condição económica, localização geográfica ou outra condição de cada um. Tal como na Educação, na Saúde ou na Comunicação Social. Exige, assim, o cumprimento da Constituição da República, quanto ao seu Artigo 78º, que garante, por parte do estado, um serviço público de cultura e de livre acesso de todos, em igualdade de oportunidades, à criação e fruição culturais. Estabelece um objetivo que classifica de ”ao mesmo tempo, aparentemente, irrisório e ambicioso: 1% do Orçamento Geral do Estado (OGE) para a Cultura”.

Os deputados municipais do Bloco de Esquerda solidarizam-se com estes princípios e com estes objetivos e disponibilizam-se para continuar a lutar por eles, nomeadamente em colaboração com o Núcleo de Coimbra do “Manifesto em Defesa da Cultura”. Se o Orçamento de Estado maltratou tanto a Cultura – como acima acentuei, a cidadania anda efetivamente arredada das preocupações governamentais – então caberá ao orçamento municipal suprir algumas dessas lacunas e, dentro da contenção assumida, ser arrojado e motivador.

Por último, como todos sabemos, as medidas draconianas do orçamento de estado refletem-se nos múltiplos lugares da vida da sociedade: das pessoas para as famílias, das famílias para as empresas, das famílias e das empresas para as cidades. Coimbra, não devemos ignorá-lo, está a decair: o centro urbano a ruir, o comércio da baixa, e não só, a definhar, a vida cívica a enfraquecer. Medidas de extrema urgência exigem-se para evitar a catástrofe e para repor níveis mínimos de sustentabilidade, quanto ao comércio tradicional e à reabilitação urbana. Deixamos aqui um repto: para além das atividades muito meritórias que têm sido desenvolvidas, propomos que esta Assembleia discuta, séria e profundamente, a situação de centro histórico e, a pouco e pouco, com o máximo de parceiros interessados, se delineie um plano de ação que inverta o atual sentido das coisas e projete uma cidade mais humana e mais feliz para todos e todas. Assim, poderemos enfrentar as dificuldades, vencer os beneficiários desta crise e, com essa força, desejar, então, a todos e todas, com sinceridade, um 2013 mais solidário.

 

Assembleia Municipal de Coimbra, 27 de dezembro de 2012