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30 JULHO: Intervenção de Pedro Rodrigues

Camaradas, amigas e amigos,
Quero começar por agradecer às candidatas e aos candidatos do Bloco de Esquerda pelo distrito de Coimbra o convite que me fizeram para ser seu mandatário. À alegria que sempre tenho em travar lutas ao vosso lado, junto desta vez a honra e o prazer de ser vosso representante.
Faço-o com o sentimento, certamente partilhado por muitas e muitos de vós, de que estas são umas eleições especiais. Não me recordo, nos últimos 30 anos, de outras eleições feitas sob um clima de chantagem e de mentira tão descarado. Vimos o que se passou com a Grécia e como as instituições europeias tentaram condicionar a vontade popular. Vimos como, não o tendo conseguido, usaram a segunda arma mais poderosa que tinham para subjugar essa vontade do povo, expressa de forma clara e democrática. Vemos, agora em Portugal, a forma como o Presidente da República nos vem dizer em quem devemos votar. Vemos, agora em Portugal, como o atual Primeiro Ministro nos vem dizer que “a oposição é precisa, mas não para governar”. Sabemos, agora de uma forma clara, como se comporta o Governo de Portugal nas instituições em que deveria defender os interesses do país, subjugando-os aos seus próprios interesses e cálculos eleitorais.

Mas sabemos sobretudo – e bem demais – quais são os efeitos das políticas levadas a cabo nos últimos anos. Conhecemos, porque eles nos entram em casa, os efeitos do aumento do desemprego. Conhecemos, porque os sentimos na pele, os resultados dos sistemáticos ataques ao Serviço Nacional de Saúde. Conhecemos, porque elas nos saltam à vista, as consequências do desinvestimento na escola pública. Conhecemos, porque já não dá para esconder, o dramático aumento da emigração forçada, por parte de quem sente que este país não tem lugar para si.

A isto tudo o Governo responde com o discurso da inevitabilidade: é assim porque tem de ser. Em última instância, dizem-nos, a culpa é nossa – dos funcionários públicos, dos trabalhadores por conta de outrem, dos reformados e dos pensionistas, dos pequenos e médios empresários, dos estudantes, até dos desempregados. Vivemos todos, dizem eles, acima das nossas possibilidades. E continuamos vivendo, insistem, quando propõem mais cortes, menos serviços públicos, mais facilidades nos despedimentos.
Sabemos que não é assim. A cada um dos desastres sociais provocados pela austeridade corresponde o florescimento dos lucros de alguns – daqueles que, sendo cada vez menos, lucram cada vez mais. Empresas como a Sonae, por exemplo, anunciam lucros que não param de crescer, mas mantêm os salários dos seus trabalhadores em níveis mínimos. A empresas como esta interessa que o desemprego cresça: quanto mais gente a precisar de emprego, menos terão de pagar. Veja-se o quanto cresceu o mercado das clínicas privadas (em Coimbra, basta dar um curto passeio de carro) e perceber-se-á a quem interessa o desinvestimento público na saúde. Veja-se o aumento das turmas em colégios privados, com contratos de associação, e perceber-se-á quem ganha com a destruição da escola pública.
Não se trata, portanto e como sabemos, de falta de recursos. Trata-se duma política deliberada de transferência de recursos. Daquilo que é de todos e que deveria ser aplicado no interesse coletivo para os bolsos de uns poucos, que não param de enriquecer, que não pararam de enriquecer, enquanto o país empobrecia, enquanto nós empobrecíamos.

Temos hoje – todos o reconhecem – um país muito mais desigual e injusto do que tínhamos há quatro, há seis ou há oito anos atrás. Sentimo-lo no emprego, na saúde, na educação, nos transportes públicos, no acesso a bens essenciais, como a energia e a água, no gravíssimo aumento da pobreza. Por muito que os responsáveis pelo atual estado do país não queiram, a campanha eleitoral que se aproxima vai servir para discutir isto.
Teremos tempo para aprofundar as denúncias e para explicitar as propostas alternativas que, à esquerda, se vêm fazendo.
Do programa eleitoral que esta lista toma como seu – o programa do Bloco de Esquerda – constam dois níveis essenciais de intervenção: o das medidas imediatas que um governo nacional pode e deve tomar para melhorar a vida de quem o elegeu e o da alteração de postura, perante as imposições europeias ou dessa entidade abstrata a que agora chamamos mercados. Desobedecer à austeridade não é apenas um slogan. É um programa político e resume-se afinal a isto: em Portugal, como nas instituições europeias, não admitimos mais sacrificar quem vive do seu trabalho e quem menos tem para continuar a financiar o lucro dos bancos e o enriquecimento de quem vive à custa do trabalho dos outros.
É a isto que vêm as candidatas e os candidatos do Bloco de Esquerda. É com esse combate que eu também estou comprometido.

Permitam-me ainda assim que aproveite esta oportunidade para vos falar de um sub-capítulo, de uma espécie de parente pobre entre as tão mal-tratadas políticas públicas. Permitam-me que aproveite até o facto de estarmos neste sítio, ao lado da Direção Regional de Cultura do Centro, para vos relembrar como esta área tem sido enxovalhada pelos últimos governos. Deixo-vos dois números, que considero muito elucidativos. Entre 2009 e 2013, os apoios à criação artística da Direção-Geral das Artes caíram 41%. Na Região Centro essa quebra foi ainda mais grave, chegando praticamente aos 50%. Na globalidade, o investimento em Cultura, em 2015, representou 0,1% do Orçamento Geral do Estado, algo que o próprio Secretário de Estado da Cultura admitiu, em Abril, representar – e cito – “o orçamento mais baixo de sempre”. Os efeitos são desastrosos: companhias a fechar, gente – muita gente – a emigrar ou a mudar de vida, teatros que nos custaram muito a construir fechados ou a funcionar a meio gás, cinema português parado ou financiado por governos estrangeiros, bibliotecas e centros de documentação estagnados, museus públicos a disfarçar a falta de recursos explorando estagiários e desempregados. Pior do que tudo: uma geração inteira de gente nova que é incentivada a não ser artista porque, pura e simplesmente, essa não é uma profissão viável neste país.
O que o Bloco de Esquerda nos vem dizer é que é possível uma outra política. Que  há uma percentagem mínima do orçamento que deve ser investida na Cultura – 1% –, como recomendam as organizações internacionais com que os nossos atuais governantes tanto gostam de encher a boca. Que é necessária uma política que entenda a Cultura como um bem público essencial e que disso retire consequências, por exemplo ao nível da fiscalidade. Que é necessário passar das palavras aos atos e se promova finalmente uma articulação entre Cultura e Educação e se promova o ensino artístico na escola pública. Uma política, enfim, que vá ao encontro do que a Constituição prevê: o direito universal à criação e à fruição artística, tendo em conta o contributo fundamental das artes para a consolidação de uma sociedade mais culta, mais aberta e cosmopolita, mais justa e solidária, mais feliz.

Camaradas, amigas e amigos,
Há 30 anos atrás participei, pela mão dos meus pais, na minha primeira campanha eleitoral. Tinha oito anos e aprendi com eles a ter esperança num projecto político. Guardo na memória os sorrisos e a alegria das pessoas que fizeram a campanha de Maria de Lourdes Pintassilgo.
Também conheci cedo, por isso, a desilusão face a resultados eleitorais que ficam aquém das nossas expetativas. Aprendi mais tarde, com muitas e muitos dos que fazem esta lista do Bloco de Esquerda, o que é possível fazer com esses resultados, às vezes decepcionantes.
Entre essas pessoas, estava José Manuel Pureza, o nosso cabeça de lista. Sabemos o que fez na sua curta passagem pela Assembleia da República. Lembramo-nos da diferença que fez a sua voz, quando denunciou o que se passava com o Metro Mondego, quando desmascarou o deficit democrático do Tratado de Lisboa ou quando recusou branquear a responsabilidade de Israel nos crimes contra a humanidade, em Gaza. Sabemos a falta que fez nos últimos quatro anos.
Mas conhecemo-lo para lá do que fez na Assembleia da República. Reconhecemo-nos na forma leal e franca com que aceita e faz os debates mais difíceis: sem abdicar dos seus princípios e sem nunca desistir de estabelecer as pontes que considera úteis, desejáveis e construtivas. Sabemos como rejeita o cinismo e como insiste em ser, enquanto político e figura pública, exatamente aquilo que é enquanto pessoa, enquanto professor, enquanto amigo ou conhecido de tantas e tantos de nós.
Na defesa ativa da paz, nos combates pelo direito à cultura, na militância feminista, nas lutas pelos direitos das minorias, na persistente construção de uma esquerda diversa, mas unida no essencial, há uma palavra que define o foco do trajeto pessoal e político do nosso cabeça de lista: humanidade – um profundo gosto e um profundo respeito pela humanidade. Precisamente aquilo que tão dramaticamente tem faltado à governação, em Portugal e no resto da Europa.

Mas José Manuel Pureza tem ainda uma outra enorme qualidade: a de saber trabalhar em equipa. E é em equipa que mais uma vez o Bloco de Esquerda se apresenta a eleições. Com a Gisela Martins, o António Rodrigues, a Catarina Martins, o Miguel Cardina, a Helena Loureiro, o Rui Silva, a Conceição Duarte, o Aires Ventura. Nove mulheres e homens com trabalho feito nos órgãos para os quais foram eleitos -  Assembleias de Freguesia, Assembleias Municipais, Executivos Municipais – e em muitos outros fóruns de intervenção cívica e política. Na defesa do Serviço Nacional de Saúde, da Escola Pública, do direito à Cultura, da transparência na gestão das autarquias, no acesso universal aos bens e serviços essenciais à dignidade humana, na luta, em suma, por um país melhor, estas candidatas e estes candidatos têm-se destacado pela coragem, pela frontalidade, pela forma radical e persistente com que denunciam e combatem, quer os interesses instalados e as injustiças, quer a resignação de quem acha que não há nada a fazer.
É esta equipa, que tem a seu lado os suplentes, os militantes e os simpatizantes do Bloco e todas as pessoas que a nós se queiram juntar, que se apresenta a eleições, em nome das ideias e do programa do Bloco de Esquerda. Com energia, com determinação, com alegria, com vontade de dar a volta a isto.

Permitam-me, para terminar, que partilhe convosco uma reflexão de Aline Frazão, cantora e compositora angolana. A propósito dos jovens que foram e continuam presos em Angola por terem organizado uma manifestação pacífica, ela escreveu há dias numa crónica:

Neste exato momento em que nos juntamos, em que respiramos juntos, em que juntamos vozes e forças, é importante não esquecer que o caminho é longo. Se hoje evocamos a palavra “Liberdade” é por pura necessidade. É porque, ao exigirmos Igualdade nos ameaçaram com retirar-nos a Liberdade. Não é, pois, a Liberdade que lhes mete medo. É, precisamente, a Igualdade de direitos e de oportunidades aquilo que nos têm negado de forma rotunda. E essa é a nossa meta. Só quando lá chegarmos se cumprirá este país.

Aline escrevia sobre Angola, mas é disto que se trata também aqui, hoje e sempre: igualdade de direitos e oportunidades. Sem ela, a democracia não passa de uma formalidade. Uma formalidade bonita, que temporariamente alivia as consciências, mas sem conteúdo. E que, por isso mesmo, pode ser esquecida ou abandonada a qualquer momento.
Recuperar o que é nosso, 40 anos depois do 25 de Abril, é muito mais do que recuperar os direitos sociais que nos foram roubados. É recuperar a exigência de vivermos num país em que o povo é, realmente, quem mais ordena.
Por isso são tão especiais estas eleições, por isso é tão motivante fazer esta luta convosco.
Estamos juntos, camaradas.